18 de jun. de 2014

Mauro-Werneck em BH

Vejam a  minha entrevista na Rede Minas,  por ocasião da palestra sobre Humberto Mauro que fiz no Palácio das Artes, em Belo Horizonte MG.


13 de jun. de 2014

O som de Solha ao redor



No verão de 2013, de passagem pelo Recife, assisti por acaso, sem qualquer indicação, ao filme “O Som ao Redor”, de Kléber Mendonça Filho. Não sabia nada do filme nem do diretor, mas como a trama acontecia no Recife acabei “arriscando”, já que ali estava. Grata surpresa: “O Som ao Redor” é um dos melhores filmes que vi nos últimos anos, e aí entram também os estrangeiros. De volta ao hotel, na Praia da Boa Viagem, me vi subitamente dentro do cenário de “O Som ao Redor” e lembrei-me do personagem Francisco (chefe de uma família que domina alguns quarteirões da Zona Sul do Recife) entrando no mar à noite, bem ali onde eu me encontrava.
Nos créditos do filme, lembrava-me de ter notado o nome de um dos atores, W.J. Solha, mas não sabia qual o seu papel. Pensei já ter visto o nome, talvez até em meus contatos de email, já ter lido alguma coisa dele, mas não ligava o nome à pessoa, ou vice-versa. Qual não foi minha surpresa quando há pouco tempo, por ocasião da morte de um amigo em comum, o escritor cearense Nilto Maciel, vi novamente o nome W.J. Solha assinando um texto sobre o Nilto na web. Havia uma foto dele e identifiquei de imediato o “Senhor Francisco” do Som ao Redor. Logo depois, li um excelente texto do Solha na Revista Eletrônica Rio Total, onde falava en passant do Guernica de Picasso visto no Museo Reina Sofia, em Madri, mas voltava os olhos com maior atenção para a mostra de um fotógrafo canadense, Jeff Wall, que ali se encontrava.  Também eu vira por duas vezes o Guernica no Reina Sofia, inclusive quando de uma grande exposição sobre Picasso, em 2010. E me detivera, e me detivera, e me detivera e vou me deter sempre ante o quadro trágico e monumental.
Mas a atenção de Solha naquele dia – Guernica à parte – fixou-se nas fotos de Jeff Wall – em transparência, de grande porte e retroiluminadas –, principalmente uma intitulada “Um brusco golpe de vento (a partir de Hokusai, de 1993”). Fora a dinâmica, o que mais deslumbrou Solha foi saber que a foto remetia a uma imagem que o japonês Hokusai (Katsushika Hokusai, 1760-1849) flagrara 200 anos antes. Daí, mostrando grande erudição, Solha parte para a influência da arte oriental na Europa, marcando trabalhos de Manet, Van Gogh, Cèzanne e outros mais. Seu texto, acuradíssimo, estava eivado de tal argúcia e propriedade que não me contive: acabei enviando ao Solha longo email elogiando o primor de suas palavras.  
Logo, seguiram-se outros e-mails de cá pra lá, de lá pra cá, e descobrimos vários e vários amigos em comum. Enviei também alguns de meus livros, enquanto aguardava/aguardo o envio de seus livros (o Solha poeta ganhou o prêmio João Cabral de Melo Neto e foi finalista no Jabuti), que ainda não chegaram. Qual não foi o meu espanto há algumas semanas, quando estava em Nova York – e pensara nele naquele mesmo dia, ao ver um quadro de Van Gogh no MoMa (o título de um dos livros de poemas de Solha, “Trigal com Corvos”, remete ao quadro de Van Gogh) –, qual não meu espanto, repito ainda espantado, ao ler no meu facebook dois textos do Solha sobre meus livros. Sou um analfabeto nos mistérios do facebook e não consegui enviar mensagem pra ele de meu i-phone, instrumento que manejo com total deficiência, com a imperícia de um matuto manobrando nave espacial.
Agora sim, “acá y ahora”, direto da base/Cataguases, prestidigito essas linhas de agradecimento. “Paraibano” desde 1982, embora nascido em Sorocaba, o escritor, poeta, dramaturgo, roteirista, ator e artista plástico W.J. Solha é desses seres multifários que fazem de tudo um muito e um muito de tudo, com argúcia e grande competência. Mais que agradecido, sinto-me honrado com suas palavras. Parece cabotinismo (e é), mas não resisto a divulgar aqui os seus textos sobre meus livros. Gracias, Solha!


Ronaldo Werneck em
cataminas pomba & outros rios
W. J. Solha


A obra tem substancial fortuna crítica. Fábio Lucas define-a como um suave percurso pela estória, pela História, pelas partes do Ser. Articulando confidências da memória e da memória coletiva. Mas Délson Gonçalves parece alertar, em versos, que se trata disso tudo, mas também de poesia, ao acrescentar a essa definição algo essencial, quando diz que “o rio caminha fora de mim/ e o mesmo Pomba me navega por dentro”. Não é à toa a citação que o próprio Werneck faz de Neruda: “– Sé lo que dicen / todos los rios. (...) Hay secretos míos/ que el rio se há llevado. (...) Reconocí en la voz del Arno entonces/ viejas palabras que buscaban mi boca”. Recapitulando: “Confidências da memória e da memória coletiva”. “Secretos míos”.
Tem a ver, que numa reedição futura, por isso mesmo, talvez o livro venha a se encher de notas de rodapé, como o “The Waste Land” do Eliot, desnecessárias para os de Cataguases e – em alguns casos – somente para o autor, pois a obra acaba tendo alguma coisa muito pessoal, claro que não hermética como no “Finnegans Wake”, mas tendo. Exemplo: “como numa fotografia/ como num stop no tempo/ como num apanhado do landóes”. Felizmente o volume é fartamente ilustrado e se vê, no verso de uma foto de 1911, reproduzida justamente nesse ponto: “Atelier Photográphico Alberto Landóes”. Como diz o Manoel de Barros, numa das inúmeras epígrafes do livro: “Imagens são palavras que nos faltaram”.
 Mas isso fez com que eu só fosse conquistado totalmente pela obra quando – no final dela – Werneck fala de rios com que não tem a mesma intimidade, como o Tajo, o Tâmisa, o Sena, que me fizeram voltar ao Cataminas e ao Pomba com outros olhos. E por falar em fotos, realmente cataminas pomba & outros rios tem a beleza extra de muita, muita fotografia de Cataguases e de sua gente, o que, com o que afirma Fábio Lucas – seu ritmo é cinemático – mais o fato de que o poeta é apaixonado pelo cinema, me fazem ver, nele, por um momento, um belo roteiro devidamente ilustrado com todas as suas locações no tempo e no espaço.
Por que, então, se não lhe faltavam engenho & arte, Werneck não fez um filme? Porque, parafraseando Manoel de Barros, palavras são imagens que nos faltaram. Como quando o mesmo Werneck, genialmente, diz: “Pressinto/ cabreiro/ com horror/ que estou/ numa cidade/ do exterior/ mineiro”. Uau! Mais adiante, ele descreve o Tibre como “fio presente ausente/ nas glórias de outrora/ não se vê não se sente”. Mas “não se vê, não se sente” o quê? “faces flashes de outrora/ estilhaços de fausto/ tênues fragmentos/ sombras sobre a história”. Claro. História!
Ele é novamente genial quando diz, em El tajo/tejo:toledo: “Miúdo /em toledo el tajo é tudo/ el cid el greco”.  Exato. Senti isso ao parar na pista, fora da cidadela fortificada pelo rio franzino que a rodeia no fundo do vale, eu exatamente onde o pintor excepcional fincara o cavalete para pintar a bela Vista de Toledo, cheia do espírito místico da cidade e dele mesmo. Werneck me faz pensar novamente nela, quando descreve Ouro Preto: “chove sobre a cidade encarcerada em sabão e pedra”, finalizando assim: “chove água que escorre sobre o ouro dos pretos e leva sua memória”. Não “lava”, como seria de se esperar. “Leva”. É impressionante como ele venera sua terra, como ama a História.
Ele diz, em L´arno a firenze: “Como antes/ la luna / a mesma/ de dante/ & petrarca/ a mesma se via/ sobre a água/ refluxos de poesia”. E vai fundo, em El manzanares en madri: “Um rio/ fechado em si/ um rio/ lago/ um rio/ del cante-jondo/ pardo-tardo-redondo”. Fluem, assim, os versos de Werneck, sobre o rio que cruza Cataguases “correndo corroendo/ um século em cada minuto”. “Correndo corroendo”. “A preta prata madrugada”. “Gretas grutas”. Nesses desdobramentos de palavras – que me lembram o glauberiano poeta recifense Jomard Muniz de Brito –, ele mostra o quanto cuida de cada detalhe do que compõe, quase como um outro grande mineiro, Guimarães Rosa, mas empenhado na multiplicação dos enfoques, como os cubistas faziam, trabalhando sempre com vários ângulos simultâneos, como numa quarta dimensão.
“O bafo da railway bufando com bazófia/ entre nostálgicas indústrias/ se acendendo se ascendendo se/ movendo-se movendo se/ como loucas se locomovendo se”.  Cinema? Quase. Veja a decupação que ele faz desta cena: “O rio envolve/ esse tropel de burros/ bicicletas/ meninos soltos/ no pó/ no pé descalço/ nos galhos/ pendurada no ar/ nas árvores”. Mas aí se segue o pulo do gato: “a poesia / se desmanchando/ se amarelando/ se dissolvendo”.


Humberto Mauro revisto
por Ronaldo Werneck
W. J. Solha

Acredito que Humberto Mauro esteja para Minas como Linduarte Noronha para a Paraíba. O documentário “Aruanda” – paraibano – foi, segundo Glauber, a estreia do Cinema Novo brasileiro, o primeiro filme nacional feito apenas “com uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”. Graças a esse enorme elogio, eu e o José Bezerra Filho, quando fundamos a Cactus Produções Cinematográficas Ltda, lá em Pombal, no alto sertão paraibano, em 1969, onde éramos funcionários do Banco do Brasil, o convidamos para dirigir aquele que foi o primeiro longa de ficção, do estado, em 35 mm – “O Salário de Morte” – no qual fiz a direção de produção e o papel de um pistoleiro.

Foi uma loucura: vendi a casa e um caminhão para investir no filme, de que praticamente toda a cidade foi acionista. Essa coisa épica eu acabo de reencontrar no monumental “Humberto Mauro revisto por Ronaldo Werneck”, de fascinante leitura, pelo conteúdo gigantesco e pelas mil formas – coisa pra o “Ulisses” de Joyce – encontradas por Werneck para narrar e narrar e narrar o que foi tudo aquilo que aconteceu em Cataguases, engrandecendo Minas no nascedouro do cinema brasileiro, lá pelos anos 1920, quarenta anos antes do famoso documentário do Linduarte. Gostoso, no livro, ver Glauber assistindo quatro vezes ao “Ganga Bruta” do Mauro, enquanto o resto da turma de cineastas estava numa festa, naquele interior mineiro. Não é à toa que sinto no ambiente escolhido para “Terra em Transe” muito do que se vê nesse longa de 1933.
Gostoso ver o quanto o paraibano Walter Carvalho comparece no livro, inclusive no enterro do Humberto. Gostoso ver o Werneck entrevistando seu velho ídolo, com toda a intimidade que só os conterrâneos têm. Gostoso ver as primeiras divas brasileiras irrompendo lá de Cataguases. Gostoso ver a coisa simples que é flagrar Humberto vendo um filme americano e dizendo a um amigo “Isso eu também faço”, e fazer. Gostoso ver os primeiros investidores desse cinema que brotava da terra, comerciantes da cidade pequena, como fizeram os de Pombal. Gostoso ver o rico manancial de imagens fotográficas com que o volume ilustra o que conta. Quem gosta de cinema não sabe o que está perdendo: “Humberto Mauro revisto por Ronaldo Werneck”.

João Pessoa, 22 de maio de 2014