21 de nov. de 2016

Selva Selvaggia 40 anos – 7

     
     Quatro outros poemas de meu primeiro livro, selva selvaggia, em comemoração aos 40 anos de seu lançamento: dialética, semântica, libertarde, dry milk,, around the sixties, noturno do leme.



DRY MILK

a Marcus Vinicius e Vladimir Carvalho (*)

    
dry milk
no mangue
a lata
         escrita com sangue
                   for international development
a lata agency suspensa

dry milk
donated by
american people

a lata de leite
com lixo
dry milk & sangue

a lata suspensa
na camisa o super
roto homem
a cabeça imensa

a super-barriga e sol
e sangue sub-
menino dry
milk do mangue

dry milk no mangue
os olhos dia a dia
dialatados

o lixo no leite
o olho na lata
o luxo a lata
o leite o lixo

dry milk
drink sangue

YEAH!  in god we trust
              submundo way do mangue
YEAH!  in GOLD WE TRUST
              barriga e lixo
              sol & sangue
YEAH!  we trust!
     YEAH! OUR TRUST!
   
  
(*) Quando estava montando no Rio o seu filme “O País de São Saruê”, no início dos anos 70, o cineasta paraibano Vlademir Carvalho, amigo do poeta desde a Bahia de 1964, convidou RW para fazer uma letra pra canção que o compositor Marcus Vinícius estava criando para o filme.  E falou sobre as imagens que tinha captado no Nordeste, pessoas catando no lixo os alimentos doados pela agência norte-americana AID, resquícios da Aliança para o Progresso.  Um horror.  RW e Marcus Vinícius encontraram-se várias vezes para criar a canção. Qual o quê!  A música não se encaixava na letra, a letra não cabia na música. O que Marcus Vinícius acabou gravando foram  mesmo  as palavras que cantarolava enquanto ia compondo. E acabou surgindo a canção-tema do filme, belíssima. Da aventura, restou este poema que, mais de trinta depois, vai dedicado pros amigos Vladimir e Marquinhos.  Ah, sim: “O País de São Saruê” ficou interditado pela censura por quase 30 anos. Só agora este filme de força extraordinária está sendo mostrado ao grande público.





AROUND THE SIXTIES
    
come on
prepare o seu coração
a guitarra dos beatles
comum
let´s twist again
o cabelo dos bichos
pode crer

jimmy ginjanis
drix man hen
barbitóxico´s blue
gin hei man drix
pode crer

jean-luc rochá jeans
vietname´s blue hué
camisa paissandu gin
hoa-mihn my lai khe sahn
pode crer

let´s make marilyn 
mar war love
sex mini quant novu
ar lar ido lib
pode crer

um sol negro beta che gue
gal galo som & segredo
it´s over see sea nau
fragado dream drama vez & voz
pode crer

I want to live to dream
in latin america maria maria
as cãs violão cantinho são
o apagar do velho drama
pode crer

aroma amor romã
ticos de cuba sex libre
it´s over bahia mar 
rio minas meninas
pode crer

a gente estancou de repente
oh I could have dance all night
if I had a hammer an egg
but it´s over the big game
pode crer

era um era dois era cem
a garra dos bichos
it´s over hair head heart
come on let´s twist again
pode crer

pode ler não
ao não por que não
rock barbeatle´s name
a manhã clara clara over
pode crer

em ipanema em que bar em
que cinema como quem
partiu quem blue bleu blau
babau seo nicolau
pode crer 



 NOTURNO DO LEME
    
onze da noite
e o mar bate calmo
no início da praia
contra os rochedos
no início contra
o mar bate o fim
da tarde a noite
contra o início
os rochedos a bandeira
aos quatro ventos tempos
cores a bandeira
                                   tremula às onze
da noite na praia
do leme no início
da noite no início
do fim no início de tudo
a bandeira sobre o rochedo
nos controla

entre carros namorados
luminosos lambuzando a aurora
entre o hot-dog e a coca-cola
a bandeira nos controla

na taberna no real
na fiorentina no recreio
do leme no boca seca
no geneal da esquina

as pessoas falam
bebem chope
com fritas fumam
scotch on the rocks
as pessoas
                        se amam
                        se comem
as pessoas
falam comem
                                   soltam risos
                                   palavrões
consomem
                        pizzas tournedos
                        au poîvre cocquilles
                        saint-jacques polvos
                        ostras lagostas calamares
                        en su tinta e lulas mariscos

os frutos do mar
                                               o mar
bate calmo as pessoas
bebem e falam alto e
comem e riem as pessoas
                                               o mar bate calmo

nenhum temor em toda a orla marítima

vendedores de amendoim
bêbados tropegando na praia
engraxates
namorados
jornaleiros
                        as primeiras notícias
                        pelo telex
                        mas no cabelo
                        só gumex

portugal ainda manchete
            mas os americanos colaboram
            o trade act cai como um fardo
                        sobrenadando sobre sobre latinoamerica

esfacelado pelos bulldozzers
            pelos phantoms
                                               pela corrupção
dos lan nol thieu & cercanias
o sudeste asiático explode
através do telstar
            o cambodja e o vietnam

morreu george stevens
            mas quem se lembra
            de shane e dos heróis
            assexuados do caubói?

são onze da noite
no leme são onze
e morreu shane

o mar bate calmo
contra os rochedos
no início da  noite
no início do leme
no início de tudo

aparentemente nenhum
vento estranho bate
no leme o navio vem
e vai se equilibrando

até quando a bandeira
vai e vem se equilibrando
o navio o leme os bares
os bêbados todo o mundo

vai e vem
o leme vem
e vai todo
o jundo vem
o vento vai
do fim do início
o vento vai e vem

tudo é afável
e terrível
até a perspectiva
da aurora
até o hot-dog
e a coca-cola


Um comentário:

luciano de andrade disse...

muito legais os poemas; me levando pra um rio que nunca existira pra mim.