1 de set. de 2016

Branco nas entrelinhas

    No próximo dia 6 de setembro em Cataguases, a partir de 18 horas, o poeta-professor Joaquim Branco lança na Casa do Livro (Av. Astolfo Dutra, 25), sua nova obra, “Entrelinhas”. É no branco das entrelinhas, em suas pequenas pausas, que o texto literário sugere imagens, significados que se incorporam ao pensamento do leitor. No branco que “fala”, na força desse branco muito bem sacado no livro de Joaquim. Como ele mesmo diz, no texto de abertura: “Entrelinhas são veredas deixadas pro um autor para que o leitor se introduza na sua obra e até contribua a seu modo, percorrendo caminhos ainda não navegados”.
Todo texto literário se aninha nas entrelinhas. É ali que ele “fala” com o leitor, polissemicamente. Então, é um achado o título deste livro, que diz desde a capa ao que vem. Diz, numa só palavra, tudo que o leitor nele irá encontrar. Pois é nas entrelinhas, no “parar para pensar”, que o leitor se vê frente à frente com as pensatas do autor – é dali que surgem à tona, que emergem os recônditos, as profundezas de cada texto. Erudito, intelectual de primeira ordem, Joaquim Branco desenha aqui um mapa, traça as veredas literárias de grandes autores, do Brasil e do estrangeiro. Veredas, palavra certa. Palavra-símbolo de Guimarães Rosa, umas das preferências literárias de Joaquim (ao lado de Jorge Luis Borges e Kafka), e que é abordado em quatro dos textos do livro.
Um livro capaz de ousadias e descobertas, como comparar – e até inverter, entrecruzar – lírica e antilírica na obras de Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto, dois poetas pernambucanos, mas aparentemente tão distantes.  E tornar às avessas o lirismo de Bandeira, que se faz despojado, concreto; e o poema a palo seco de Cabral, de repente eivado de lirismo. Achados que Joaquim nos oferece em poemas/fragmentos como aquele Bandeira “concretista” de “a onda anda/ aonde anda/ a onda?// a onda nada/ ainda onda/ aonde? aonde?// a onda a onda”. Ou um Cabral subitamente lírico: “(...) Pois, assim, no telefone/tua voz me parecia/como se tal manhã/estivesses envolvida,/fresca, e clara, como se/ telefonasses despida,/ ou, se vestida, somente/ de roupa de banho, mínima”.  E nessas abordagens – o lirismo em foco, por exemplo – Joaquim Branco, em parágrafos paradoxalmente secos e curtos, traça um conciso panorama do lirismo ao longo dos tempos. Uma aula de um poeta que sabe o que fala, coisa de grande professor.
Mas o texto literário só funciona em sua plenitude quando conta com o feedback do leitor. Leitor-autor “em processo”. E Joaquim aqui nos remete a Borges: “a parte que cabe ao leitor é tão importante quanto a do escritor, pois pertence a ele a fase de consumação (e do consumo) da obra de arte”. Que, por sua vez, nos leva a Hans Robert Jauss (1921-1997) e Wolfgang Iser (1926-2007), fundadores da Estética da Recepção, escola que desenvolveu no pós-guerra alemão uma noção dinâmica do leitor, ouvinte ou espectador como fator essencial à constituição da obra de arte. Dizia Jauss: “para que a literatura aconteça, o leitor é tão vital quanto o autor”.
    Nesse “jogar com o leitor”, o livro de Joaquim Branco é enriquecido com abordagens de jovens autores cataguasenses, como “O Homem Interdito”, de Marcelo Benini, ou dos livros “Beirais das Gerais”, do fotógrafo “portuguases” Henrique Frade, com texto de Leonardo Magalhães Gomes, e “umÁrvore”, de Fernado Abritta. Também do sempre presente Rosário Fusco, de Ascânio Lopes, ou de outros autores que andam meio esquecidos – e cuja obra é bom relembrar, como o também “verde” Camilo Soares, os poetas Henrique Silveira e Delson Gonçalves Ferreira (“A lua/varre a rua/com sua vassoura/de luar.//Bem devagar.//Numa teia, uma aranha/estranha/a lua cheia”), ou a grande poeta e romancista Lecy Delfim Vieira: “Precisarei de alimento, água bússola, companheira./ – será que não há no mundo quem queira comigo ir? – inda que não olhe meus olhos/ inda que vá por partir/ – Fundarei o céu e a terra só pra ter aonde ir”.
Fora isso, “Entrelinhas” nos oferece excertos de autores do calibre de Hemingway, Charles Dickens, Allen Ginsberg, Daniel Defoe, Emily Dickinson. Sem esquecer, é claro, os já citados Guimarães Rosa, Franz Kafka e Jorge Luis Borges. O livro de Joaquim Branco é um vasto espaço para o leitor se deleitar. Mas não para “se deitar”. Cabe a ele, leitor, “trabalhar” esses textos com vagar, deles se apossar com todo o direito e, de repente, perceber que pode também ser o autor escondido nas entrelinhas.